quarta-feira, janeiro 03, 2007

Práticas de Negociação


Entrevista com Michael Gibbs
Michael Gibbs é uma das principais autoridades mundiais em negociação e resolução de conflitos. Foi executivo da Texas Instruments, Singer e General Electric, com atuação marcante em negociações com sócios estratégicos, grandes fornecedores e as várias esferas governamentais para a viabilização de contratos. Ph.D. em psicologia organizacional e industrial, Michael Gibbs já conduziu seminários para mais de 7 mil executivos de 200 empresas em 22 países. Foi também professor da Penn State University e da University of Texas. Hoje, é CEO da Gibbs & Associates, uma empresa de consultoria internacional e presidente do Consórcio de Reengenharia, além de sócio de várias outras companhias de alta tecnologia do Silicon Valley. Entre os clientes com quem já trabalhou nos EUA figuram nomes como U.S. Navy, General Eletric, Pacific Bell, Proctor & Gamble, Lucent Technologies, Sun Microsystems, entre outros. Em 2006, Gibbs participou do Fórum Mundial de Negociação, evento realizado em agosto pela HSM. Nessa oportunidade, ele comentou sobre o termo psiconomia, neologismo criado por Michael Gibbs, para definir que a maior parte das motivações para obter soluções negociadas esconde-se nos recessos obscuros da mente. Nas palavras de Gibbs, "Todo mundo tem uma ‘calculadora’ de justiça em sua própria cabeça. É a economia da mente. As pessoas decidem com base no que é justo e sua tarefa, como negociador, é facilitar esta percepção".Quais os principais tópicos que devemos conhecer antes de iniciar um processo de negociação?Antes de mais nada, e acima de tudo, é preciso saber quais são suas opções caso não haja acordo entre as partes. Conheça os seus próprios pontos fortes e fracos. Defina o seu limite crucial, ou seja, o ponto a partir do qual você se retira da negociação. E saiba o que você está pessoalmente disposto a fazer para que haja acordo.Em seguida, avalie da melhor maneira possível o que a outra parte quer e precisa, e o que está disposta a fazer para conseguir isso. Abraham Lincoln disse certa vez que, preparando-se para negociar, 30% de seu tempo era dedicado a pensar sobre o que ele queria e 70% sobre o que a outra parte aspirava.É muito importante, também, conhecer pelo menos três aspectos pessoais da vida de seu interlocutor: seus hobbies e esportes preferidos; se tem filhos e como é a sua família e, por fim, sua educação pessoal e profissional.Quais são os pontos-chave para obter sucesso num acordo?Planejar é a palavra-chave. Você deve ter um plano ou mapa que indique claramente como ir de onde está para onde precisa chegar. Outro ponto é manter as expectativas elevadas. Pesquisas mostram que a maioria das pessoas faz planos para obter o mínimo desejado, não o “melhor cenário possível”. A maioria dos negociadores estabelece metas muito humildes.E sempre é bom ver a situação em perspectiva. Tenha uma “visão panorâmica” do que deseja realizar – incluindo metas de longo prazo, alinhamento com os objetivos da organização e um senso do que é justo.O terceiro ponto é saber quando se retirar se o acordo não for do seu melhor interesse. É fundamental, também, iniciar e manter um relacionamento positivo com a outra parte, abandonando a necessidade de “vencer a qualquer preço”.Para saber quais são os resultados que você almeja, deve-se observar as questões da “economia”, de um modo geral, aquilo que você quer em termos de preço, prazo e condições para o acordo. E também atentar para os aspectos da “Psiconomia”, em outras palavras, daquilo que você precisa – suas motivações e desejos pessoais, basicamente. Geralmente, estes são fatores muito mais poderosos no fechamento de um acordo.Quais são as habilidades que um bom negociador deve desenvolver?Aprender a realmente ouvir para tentar compreender o seu interlocutor. Muitas vezes, só ouvimos o que queremos escutar, ou buscamos apenas encontrar um ponto fraco que possamos aproveitar, ou, ainda, ficamos à cata de informações que possam ser usadas como um martelo contra nosso interlocutor – quando o certo seria aprender a ouvir cuidadosamente para discernir as questões que precisam ser resolvidas e descobrir não só o que a outra parte quer mas do que ela necessita. Devemos ouvir de modo a perceber indícios que possam contribuir para um acordo bem-sucedido – essas “dicas” são geralmente de natureza pessoal e não costumam ser oferecidas liberalmente. Ser paciente é outro segredo. Os melhores acordos são obtidos por aqueles que conseguem conter a retórica, as emoções, e esperar. Mas lembre-se que o tempo geralmente tende a favorecer o comprador – é mais generoso para com o comprador.Um grande negociador é alguém capaz de resolver problemas, de pensar de maneiras novas e diferentes, de formular alternativas rapidamente e de destrinchar as conseqüências de cada alternativa.Bons negociadores inspiram confiança, esforçam-se para entender a posição e os interesses de todas as partes, ao mesmo tempo em que mantêm seus sentimentos pessoais sob controle.
O sr. poderia descrever quais são os erros mais freqüentes numa negociação?Falar demais. Lembre-se que a negociação não é um debate nem um teste da sua capacidade de persuadir. É preciso ser flexível. Muitas vezes, as pessoas se atêm a metas imediatas com tanto rigor que não conseguem enxergar soluções ou possibilidades alternativas para atender seus objetivos. Por exemplo, alguém que queira obstinadamente comprar um equipamento esquece-se de investigar os termos e condições do leasing.Outro erro comum é abusar do poder. Ou seja, ameaçar, assediar ou ofender a outra parte. Isso cria uma espécie de “saldo negativo” que terá de ser zerado antes que se possa chegar a um acordo. Além disso, quando fazemos uma ameaça, temos de estar “dispostos” a levá-la a cabo.Há mais um erro: pressupor demais. Alguém certa vez disse que uma suposição é “uma conclusão baseada em fatos, não provas”. E um fato do comportamento humano é que tendemos a acrescentar informações quando não dispomos de fatos – sendo que freqüentemente essas informações estão erradas.O sr. poderia descrever um caso de negociação bem-sucedida?Há alguns anos, os EUA estavam negociando a compra de gás natural mexicano. Os negociadores norte-americanos calcularam que, por serem o maior cliente do México, e pelo fato de a infra-estrutura para transportar o gás até os EUA já estar pronta e totalmente amortizada, ficaria caro demais para os mexicanos enviar o gás para outros clientes. Com isso em mente, apresentaram uma proposta bastante “minguada”. Quando se recusaram a aumentar a oferta, os mexicanos enjeitaram-na, deixaram a mesa de negociações e voltaram para casa. Os norte-americanos julgaram que o impasse seria temporário, já que os mexicanos não tinham alternativa viável. Grande equívoco! Não só os mexicanos não retornaram à mesa, como abriram as válvulas de vários poços de gás natural ao longo da fronteira comum dos dois países e atearam fogo. A mensagem era clara: preferimos queimar nosso gás a vendê-lo para vocês. Os EUA tinham insultado os mexicanos. O gás continuava sendo queimado e os ventos preponderantes vindos do sudoeste empurravam uma densa nuvem de fumaça para os estados norte-americanos ao longo do rio Grande. Os EUA não demoraram a voltar à mesa de negociação e acabaram concordando com um preço significativamente maior do que no ano anterior. Qual a lição que tiramos dessa história? Alguns brasileiros dizem que devemos “levar vantagem em tudo”. Mas, nesse caso, é preciso estar preparado para saber o que fazer quando a outra parte retirar-se da negociação. Além disso, é imprescindível que haja uma estimativa razoável do que a outra parte pode efetivamente vir a fazer.Lembre-se sempre do conceito de “saldo negativo”. Fatos passados são importantes. Os mexicanos têm um ditado: “Coitado do México, tão perto dos EUA e tão longe de Deus”. Eles são muito suscetíveis aos desacordos anteriores e sua memória é bem longa.Quais são os principais atributos do “negociador ideal”?Ser capaz de aprender com erros cometidos. Por exemplo, eu logo aprendi que é melhor superestimar do que subestimar nossos adversários. Alem disso, os negociadores ideais são inovadores. Vêem coisas que as outras pessoas não enxergam e têm idéias originais. Nunca deixam de se perguntar “e se…?” ou “será que isso é uma possibilidade?”.Outro atributo é ter profundo discernimento humano. Saber intuitivamente quando forçar a barra e quando recuar, quando o interlocutor está pronto para uma oferta e quando não está, quando se expressar com vigor e quando manter-se quieto. O negociador ideal é irrepreensivelmente íntegro. Não mente para obter vantagem ou lucro e sempre cumpre o que promete. Consegue deixar o ego de lado. E consegue separar seus valores pessoais dos resultados da negociação.O sr. conhece o provérbio espanhol “Ao inimigo que foge, construa uma ponte de prata”? O sr. concorda?Não. Em negociação, minha máxima favorita é: “O tolo sabe o preço de tudo e o valor de nada”.Quais são os principais fatores que um negociador argentino deve levar em conta ao negociar com o FMI, por exemplo?Eu enfatizaria as negociações de segundo e terceiro nível que estão por detrás do confronto entre o FMI e a Argentina. Eu vejo a coisa assim: os argentinos não estão realmente negociando com o FMI, e sim com todos os outros que têm algum interesse no resultado dessa negociação. Por exemplo, atrás do FMI está um elenco de personagens que inclui o G-7, o governo e Departamento de Estado dos EUA, todos os investidores privados e até mesmo os contribuintes norte-americanos.Ao que parece, o presidente Nestor Kirchner reconheceu relações e procurou atrair esses grupos de segundo e terceiro escalão, pressionando assim o FMI e seu diretor-gerente, Horst Koehler. É fácil argumentar que a Argentina estava na posição de maior poder, já que tinha pouco a perder e o FMI não podia se dar ao luxo de permitir que ela se retirasse da negociação. De fato, levou apenas um dia para o FMI ceder.Em uma negociação, todos se beneficiam ou sempre há um perdedor?O objetivo é trabalhar junto para aumentar o tamanho do bolo e, em seguida, competir para melhor dividi-lo.Quais são os vários estágios/fases de uma negociação?O primeiro estágio é a fase da análise e decisão de participar. Depois vem o planejamento, a preparação e a negociação propriamente dita. Neste estágio, há também um encadeamento de fases, começando pela introdução, o enquadramento das questões, a sondagem e investigação, a oferta, a apresentação de opções e de resolução dos problemas e, por fim, o acordo, o encerramento e o follow-up.Quais táticas a parte menos poderosa deve adotar para ganhar um pouco de terreno?Sempre conheça algo acerca dos interlocutores – algo pessoal sobre suas famílias, hobbies, chefes etc. Costumo adotar a “Regra do 4-3-2-1”: saiba quatro coisas sobre a pessoa, três sobre sua empresa, duas sobre seus concorrentes e uma coisa que você pode fazer para ajudá-los a resolver um problema.Nunca negocie com um interlocutor mais poderoso a menos que você tenha uma “saída de emergência”, isto é, saiba o que fazer caso não haja acordo – é o que chamo de BOND: best option if no deal (melhor opção se não houver acordo).Se a outra parte for mais poderosa, busque um parceiro que possa fortalecer a sua posição. E deixe bem claro qual é o seu limite crucial (aquilo que você busca) e em qual ponto você irá se retirar da negociação. Retire-se da negociação caso esse limite seja violado.Se a parte mais poderosa tem a possibilidade de não dar ouvidos às propostas da outra parte, a negociação não se torna uma imposição? Não seria este o caso dos Estados Unidos nas negociações sobre a ALCA?Ambos os lados têm de se beneficiar numa negociação. Caso contrário, as estratégias e táticas serão diferentes. Se um lado conseguir efetivamente ignorar o outro, então esses benefícios poderão não ser claros para ambos.
Como o fator tempo afeta o processo da negociação como um todo?O tempo geralmente está do lado do comprador – aquele que pode ser dar ao luxo de esperar, geralmente obtém mais benefícios. O tempo não corre na mesma velocidade para todos.Muitas vezes, a imposição de prazos é uma tática usada para forçar um dos lados a uma conclusão menos vantajosa. Isso significa que o tempo também tem de ser negociável. Por exemplo, um dos lados dirá: “A proposta tem de estar em meu escritório até às 17h00 de sexta-feira”. Minha experiência mostra que o prazo pode ser mudado em pelo menos 50% das negociações. A maioria dos prazos são arbitrários e, portanto, negociáveis.Como é possível saber se já chegou a hora de afastar-se de uma negociação que não levará a lugar algum ou levará a resultados indesejáveis?Evidentemente, quando os benefícios de se retirar da negociação forem maiores do que os de um possível acordo, devemos nos afastar ou nos retirar. Não é raro encontrarmos pessoas fazendo acordos que são piores do que não fazer nada. Sempre pergunte a si mesmo: “qual é o custo de fazer algo comparado com o custo de não fazer nada?”. As pessoas geralmente ficam tão ansiosas por tentar obter aquilo que pensam querer que se esquecem de considerar essa pergunta – e assim acabam obtendo menos do que se não fizessem nada.O que não é negociável?Seus valores e sua ética são rígidos e firmes – não podem estar sujeitos a discussão. Praticamente tudo mais pode ser suscetível de negociação.Quais devem ser as características do acordo final para que seja considerado bem-sucedido e realmente eficaz?É preciso que todos os lados tenham sido ouvidos e o acordo deve ser percebido como justo e imparcial. O melhor resultado deve ser isento de invejas/distorções e não deve deixar nenhum benefício em aberto. Como já disse, a melhor negociação deve ser uma tentativa de aumentar o tamanho do bolo para todos.Qual foi a negociação mais difícil que o sr. já enfrentou?Pessoalmente, acho que as negociações mais difíceis ocorrem no casamento e na vida familiar, devido à existência de vínculos emocionais e investimentos psíquicos. Por exemplo, é difícil não recuar diante de conversas difíceis e continuar crescendo num casamento, colocando-se na mente de seu parceiro e mudando o seu próprio comportamento em conseqüência disso.Outro desafio é estabelecer limites firmes e justos para os filhos, tornando-os responsáveis por eles e sujeitos às conseqüências em caso de descumprimento.Uma situação difícil de enfrentar também é o momento da negociação da divisão do espólio familiar entre os filhos sobreviventes – aliás, uma situação delicadíssima. Mágoas e ressentimentos passados são amplificados e a resolução dessas mágoas e ressentimentos tem de alguma forma ser incluída no inventário.Quais são as diferenças no estilo de negociação dos latino-americanos, europeus e norte-americanos?Os norte-americanos são regidos pelo tempo e pelos resultados. Para eles “sim” geralmente quer dizer “sim”.Embora haja muitas diferenças entre, digamos, mexicanos, argentinos e brasileiros, os latino-americanos geralmente se regem por relacionamentos, se pautam na confiança e para eles “sim” às vezes quer dizer “não”. Já os franceses têm um estilo parecido com o dos argentinos. Estilo e imagem são importantes, os contatos pessoais são essenciais e os detalhes do acordo têm de ser bem definidos.Como é possível tirar uma negociação do impasse?Em primeiro lugar, recorra ao humor – conte uma piada. Faça um intervalo ou mude a reunião de lugar. Se a coisa ficar difícil ou atingir limites pessoais, troque os negociadores. Mude a “qualidade” do dinheiro. Por exemplo, alugue em vez de comprar. Dê uma entrada maior em troca de juros mais baixos.Outra dica é investigar o que chamo de “psiconomia”, ou seja, as motivações e temores subjacentes de seu interlocutor. As pessoas geralmente dizem o que “querem”, mas raramente revelam aos outros (ou a si mesmas) o que “precisam”. Por exemplo, um comprador de carro pode dizer, “Quero um BMW”, quando na realidade precisa do prestígio associado a um BMW.Por fim, ouça, ouça, ouça. Traga uma terceira parte para intermediar.Como o sr. vê as futuras negociações entre o governo argentino e os credores privados? A proposta do governo de reduzir a dívida em 75% pode ser a base de uma negociação real? Ou trata-se de uma imposição refinada?Não tenho como saber se é real ou não. Parece-me que alguém tomou uma decisão bem calculada em relação a essa cifra. A história nos mostra que, em relação a dívidas privadas, tende-se a um otimismo excessivo na ocasião em que o empréstimo é feito e a uma generosidade excessiva na renegociação – os devedores conhecem essa história e podem ser bastante agressivos em relação às condições de pagamento. Os credores geralmente se esquecem ou optam por ignorar a experiência passada.

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